O longo caminho foi percorrido calma e silenciosamente pelos dois. Jéssica escutava os sons da noite e a respiração de Neto no alto de sua cabeça. Apesar de ter dormido por duas horas, ela se sentia exausta e muito dolorida, e com muito esforço, mantinha-se acordada. Quando avistaram o casarão, minutos depois, com várias luzes acesas, Neto instigou os cavalos a apressarem o galope.
Seu Sebastião e Dona Linda estavam em pé, na varanda da frente, e logo avistaram os dois se aproximando. Dona Linda se sentou na cadeira de balanço, chorando de alívio, e Seu Sebastião gritou pelos outros netos dentro da casa, chamando-os para fora. Todos, exceto Carol, que já estava dormindo, apareceram para ver Jéssica chegando. Neto desceu e ajudou Jéssica a descer também. Ela caminhou a frente dele e Dona Linda veio a seu encontro.
– Graças a Deus, minha filha, você está bem – disse, abraçando-a – O que aconteceu? Por que demorou tanto?
– O cavalo dela se assustou com uma cobra, e ela quase caiu de cima dele. Ela ficou inconsciente por algumas horas e a tempestade estava muito forte, então esperei para trazê-la em segurança. – disse Neto, olhando para Seu Sebastião, antes que Jéssica tivesse chance de responder.
Ela olhara para ele pela primeira vez, agora sob uma luz branca e intensa, e ficou encantada com sua beleza e segurança. Ele era alto, corpulento e sua pele parecia translúcida perante aquela luz clara. Seus cabelos eram negros e curtos, mas escorriam até atrás das orelhas. Por alguns momentos, ela sentiu-se envergonhada por estar molhada e descabelada.
– Isso é verdade, filha? – Seu Sebastião perguntou, olhando fixamente, porém sem expressão alguma, para Neto.
– É sim, vô. O Neto me ajudou com Negrinho.
– Você é o filho dos Pereira, que moram logo ali, perto do riacho? – perguntou Seu Sebastião, sorrindo com o reconhecimento. Neto fez que sim com a cabeça, abrindo um sorriso também – Muito obrigado, filho. Mande lembranças minhas para seus pais.
– Não foi nada. – e se virando para Jéssica, disse – bem, se você estiver OK agora, eu vou indo.
– Eu estou bem – Jéssica fez que sim com a cabeça, olhando fundo nos olhos de Neto – Obrigado.
Neto virou de costas e caminhou até seu cavalo. Montado, acenou mais uma vez com a cabeça e saiu da fazenda, galopando a toda velocidade. Seu Sebastião mandou João e José levarem Negrinho para a baia, e Dona Linda pediu para Vanessa esquentar a comida para que Jéssica comesse um pouco. A rotina da família voltara ao normal.
Jéssica tomou um longo e quente banho, sentou-se à mesa para comer a janta que havia sobrado e despediu-se de Felipe e Alice, que sairiam logo antes de amanhecer para a pousada.
– Bem, filha, acho que você deveria ir descansar agora. Seu dia foi muito longo. – disse Dona Linda.
– Sim, vovó. Boa noite – disse Jéssica, virando-se para acompanhar Laura até o quarto.
Chegando ao quarto, Laura começou a sussurrar no escuro.
– Nossa, que cara bonito aquele Neto, hein – Jéssica permaneceu em silêncio, lembrando-se do rosto dele – ainda assim, não chega aos pés do Roberto.
– Aquele cara da lanchonete? – perguntou Jéssica com espanto.
– Ele mesmo. Tenho certeza que está doidinho por você. – disse Laura, segurando o riso. Então ela se lembrou e comentou – Não se esqueça que amanhã vamos sair com ele.
– Você não me deixaria esquecer isso de jeito nenhum, Laura.
Laura soltou um leve riso e se calou. Depois de alguns minutos, Jéssica soube que ela havia dormido. Permaneceu deitada, apenas pensando no dia que tivera e em como seu mundo interior estava de pernas para o ar. Pensou no momento que saíra da fazenda com Negrinho e lembrou-se de como estava tentando desesperadamente esquecer de Fred naquele momento. Agora que se lembrara dele, não sentia tanta dor, só a necessidade de estar ao seu lado, pois ela estava acostumada a isso. Depois, a imagem de um cavalo cor-de-terra apareceu sob suas pálpebras fechadas e ela começou a sonhar.
*****
Jéssica amanheceu sentindo-se totalmente descansada. Tomou café-da-manhã e saiu do casarão, procurando algo em que se ocupar. Avistou sua avó e a pequena Carol trabalhando na horta e caminhou até elas.
– Bom dia, vovó. Gostaria de te ajudar por aqui. – disse, agachando-se ao lado de Dona Linda.
– Bom dia, filha. Não se sente cansada? – perguntou Dona Linda, franzindo o cenho.
– Não. Pelo contrário, estou cheia de energia – disse sorrindo.
– Então você pode me ajudar a plantar tomates. – disse Dona Linda, passando algumas sementes para Jéssica – Carolzinha, você poderia regar os canteiros, começando por aquele? – disse apontando o lado direito da horta.
– Assim, vovó? – perguntou Carol, com o regador inclinado em suas mãos.
– Sim, querida, continue por favor.
Jéssica se sentia bem enfiando as mãos na terra. Ela adorava a vida na cidade grande e todo aquele trânsito de pessoas apressadas. Mas momentos como os que ela vivia na fazenda junto com sua família eram muito especiais para ela. Lamentava-se apenas por seus pais que cada vez mais se distanciavam do campo.
Depois de algumas horas e de uma pausa para o almoço, todos já iam voltando para o trabalho quando avistaram uma figura se aproximando ao longe. Levou mais alguns segundos para Jéssica perceber de quem se tratava: Neto, montado em seu cavalo, aproximava-se cada vez mais de onde ela e sua família se encontravam. Todos olharam para ela no instante em que perceberam quem era, e logo começaram a se afastar devagar.
Jéssica, sentindo-se envergonhada, pôs as mãos na cintura e esperou. Neto parou em frente a ela e desceu de seu cavalo. Seu rosto denunciou, por alguns instantes, um turbilhão de sentimentos interiores em conflito, mas sorriu ao vê-la.
– Oi, Jéssica. Estava passando por aqui perto e resolvi me certificar de que você estava bem. – disse enquanto avaliava a garota de modo exagerado, o que fez Jéssica fazer careta.
– Sim, eu vejo o quanto você está preocupado. – disse sorrindo – Eu estou bem, Neto. Obrigado.
– Olha, eu queria te dizer que sinto muito sobre ontem – Jéssica não entendeu o que ele queria dizer, e esperou que continuasse – você sabe... O modo como falei com você.
Jéssica lembrou-se da imagem dele explodindo de raiva, aparentemente sem motivo algum. Ela encarou o chão e Neto soube no que ela estava pensando. Ela sentiu-o chegar mais perto, tenso, esperando uma resposta. Então ela levantou os olhos, e neles não havia mágoa.
– Mas por que você agiu daquela maneira?
– Eu... – Neto procurou um motivo, e sem encontrar olhou para o lado antes de continuar – eu realmente não sei.
Os dois permaneceram mudos, cada um com seus pensamente interiores. Mas Jéssica ouviu-o chamá-la antes de ver seu sorriso.
– Quer dar uma volta?
– Só se os cavalos ficarem. – disse Jéssica, sorrindo significativamente.