Passados alguns dias desde sua ida para a cidade, Jéssica estava sentada à mesa com todos os primos para tomar o lanche da tarde que sua avó Linda fazia todos os dias. Felipe e Alice estavam muito animados, pois no dia seguinte iriam partir de carro para uma pousada a alguns quilômetros da cidade.
– Bem, acho que o vovô e a vovó agüentam essa gurizada por alguns dias sem nós, não é, meu amor? – disse Felipe. Alice concordou com a cabeça, rindo, enquanto mastigava um pedaço de bolo de fubá.
– O vovô e a vovó eu não sei, mas que vocês vão ficar muuito bem, disso eu tenho certeza. – disse Vanessa, rindo e piscando para o irmão.
Jéssica já não escutava mais os primos conversarem e rirem. Ela olhou pela janela e viu como o dia estava lindo: claro e fresco, ainda que houvessem algumas nuvens carregadas. Então ela se lembrou do que tivera vontade de fazer o ano todo.
– Vovô, será que eu posso cavalgar o Negrinho? – perguntou, se lembrando de que aquele cavalo era o único que ela tinha coragem de montar, pois era o mais manso.
– Mas, minha querida, não vai demorar muito para escurecer... – interveio Dona Linda, preocupada.
– Acho que se ela for rápida, não haverá problema algum, Linda. – respondeu Seu Sebastião, em tom condescendente.
– Bom, então não demore muito, tudo bem? Até porque uma chuva daquelas está para cair... – Jéssica fez que sim com a cabeça, se levantando e saindo pela porta dos fundos.
Passou primeiro pela baia para pegar Negrinho, e depois o levou até o seleiro, onde selou e montou o grande cavalo, negro como a noite. Jéssica sempre admirara esse cavalo, pois apesar de sua imponente aparência, era tão dócil quanto um bezerro.
Ela cavalgava em direção a grandes pastos, onde haviam alguns ruminantes espalhados. Em poucos minutos se distanciara da fazenda, correndo por lugares onde não conseguia enxergar o fim do horizonte. Com o vento levantando seus cabelos, sentia cheiros que não saberia como distinguir, pois eram muitos. Flores silvestres, grama verde, eucalipto, terra molhada. Ela podia pensar em mil coisas diferentes.
Naquele momento, Jéssica se sentia uma só com toda a natureza a sua volta. Somente sua mente flutuava, ativa. Lembrava-se dos momentos maravilhosos que tivera com Fred durante quase 16 meses. Ela tivera certeza que havia encontrado o amor de sua vida a cada momento que admirava seus olhos, puro mel líquido.
Correr montada em Negrinho proporcionava-lhe uma sensação de pura adrenalina. Sentia seu rosto úmido, mas não saberia dizer se por causa da chuva, que começara fina como garoa da manhã e agora caía como pedaços de um céu de veludo negro, ou por causa das lágrimas que rolavam pelo seu rosto na forma de um sussurro silencioso.
O pasto, que chegava até a metade das longas patas de Negrinho, estava encharcado e pantanoso. Tudo aconteceu rápido demais para que Jéssica percebesse o que estava errado: antes que Negrinho pisasse a poucos centímetros de uma longa e grossa serpente, uma jibóia, o cavalo já estava sobre as duas patas traseiras, relinchando alto e assustado. Num impulso desesperado, Jéssica soltara as rédeas para se agarrar à sela, evitando cair de costas daquela altura perigosa.
Mas o cavalo ainda estava assustado, e quanto mais pulava, mais Jéssica deslizava para o lado esquerdo da sela, em direção ao chão. Jéssica já não escutava mais os altos protestos do cavalo, nem os sentia cada vez que uma de suas patas deixava o chão, pois entrara num estado de dormência e medo profundos. Quando pensou que se soltaria de vez, sentiu braços e mãos envolvendo sua cintura e suas pernas, puxando-a para cima. Viu a crista e o cabelo bem aparados de um cavalo cor-de-terra e sentiu uma respiração quente e ritmada sobre o alto de sua cabeça molhada. Então se permitiu fechar os olhos e não pensou mais em nada.